terça-feira, 26 de abril de 2016

A dor de não amamentar



     Na era das críticas e do pré-julgamento indiscriminado, às vezes é difícil uma mãe relatar seu parto cesárea, apesar da maioria, hoje, infelizmente, optar por este tipo de parto sem indicações. E, pior ainda, quando não amamentou. Não amamentou porque não pôde, não porque não quis. E isso não a torna menos mãe. Muitas sabem que eu levanto a bandeira do parto natural e humanizado, e aconselho a toda gestante assistir ao filme O Renascimento do parto. Mas em alguns casos, realmente é necessário que se realize uma cesárea. Precisamos aprender a respeitar as escolhas e deixar de exigir que as mães deem explicações à sociedade sobre cada passo seu. Menos crítica e mais gentileza, generosidade e amor.
    Eu gostaria de trazer à reflexão sobre o quanto mulheres, que sonhavam em ter um parto natural e humanizado, precisam de apoio e compaixão após terem seus sonhos destruídos. E é sob essa discussão que eu trago hoje o relato emocionado de uma grande amiga (que preferiu não ser identificada) que teve que renunciar à opção de parto normal e à amamentação, muito antes de engravidar.

     “E de repente, eu me descobri com HIV. Parte do meu mundo desabou. Muito menos pelo medo de ficar doente ou morrer, mas sim pelo medo de não poder ser mãe. Mas eu tinha o meu marido comigo, e começamos a pesquisar sobre o assunto. Eu comecei o tratamento com o coquetel imediatamente. Vida quase normal, dependente de medicação. Mas não desistimos do sonho de ter nosso bebê. E depois de 5 anos de tratamento, com o vírus controlado e tudo programadinho para o meu marido não correr riscos, consegui engravidar. Felicidade e amor transbordavam em nossas almas. Gratidão era o que eu sentia. Foi uma gestação tranquila, leve, gostosa, sem dores e enjoos. Mas eu tive que enfrentar e repensar antigas convicções. Contrariando o meu sonho de vivenciar um parto normal, acabei optando pela cesárea. Não que não possamos ter normal nesta condição, mas existem alguns cuidados e restrições que me deixaram inseguras. Gestantes soropositivas não podem sofrer episiotomia ou lacerações. Além disso, devem começar a tomar o coquetel, na veia, 3 horas antes e durante todo o parto. Assim, por segurança de ter um parto controlado e por medo do meu bebê ter contato com meu sangue durante o parto, me convenci, com a ajuda do médico, é claro!, que a cesárea era  a melhor opção. Era minha primeira gestação, não sabia como todo o processo acontecia, e tive medo. Não posso dizer que não sofri em ter que marcar a data que meu filho viria ao mundo. Não me senti confortável. Eu não tinha esse direito. Eu queria que ele decidisse quando estivesse pronto. Mas enfim... assim foi. E a alegria da maternidade se sobrepôs a estas questões. O parto foi tranquilo, com uma equipe atenciosa, música ao fundo e o meu marido ao lado, chorando como criança. A recuperação também foi ótima e meu bebê, com exceção do tempo de espera da minha anestesia, ficou o tempo todo no quarto ao meu lado. E aí veio, talvez, a parte mais difícil para mim.  Eu pensei que estivesse preparada para enfrentar as limitações que o HIV me impunha, mas não estava. Eu não podia amamentar meu próprio filho, e isso me rasgava a alma e o coração. Ele aceitou, graças a Deus, a mamadeira desde o primeiro momento. Mas eu não! Não sabia que ia doer tanto. Posso apostar que muito mais do que a dor da amamentação. Eu fazia questão de dar todas as mamadeiras a ele, talvez como uma forma de compensação. E chorava em silêncio. Mas era tanto amor envolvido, que hoje somos “exageradamente” ligados, conectados. E seus exames confirmaram negativo para o vírus. Mais gratidão! Mas ainda é com tristeza que leio sobre amamentação materna exclusiva e em livre demanda, porque era assim que eu desejava. Assim como me entristece saber de mães que deixam de amamentar por opção, por comodidade. E me entristece mais ainda ouvir as críticas às mães que não amamentam. Talvez elas não tenham podido. Cada uma sabe a história que carrega consigo. Essa foi parte da minha...”


2 comentários:

  1. Respeitar e não julgar, aceitar as pessoas como são, exercício diário e necessário.
    Adorei seu blog, só descobri hoje ......

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